PerfilEm uma estante meio desorganizada, atrás de sua mesa de trabalho, num escritório sem pose nas proximidades do viaduto Antártica, em São Paulo, o paisagista Sergio Santana guarda um de seus tesouros: a dedicatória carinhosa, escrita com a letra irregular e esparramada de Roberto Burle Marx, num livro sobre sua obra. “Para Sergio Santana, toda a amizade, com admiração pelo que você está realizando no terreno das artes”. O homem que decretou a nobreza da vegetação tropical, por tanto tempo preterida no Brasil em benefício de imitações de jardins europeus, e uma referência forte no trabalho de Santana, mas ele atua num mundo que tem novas exigências. Muita coisa mudou desde que homens como Burle Marx, Niemeyer e Lucio Costa desenharam em suas pranchetas o Brasil moderno.
Mais que paisagista, Sergio Santana e um arquiteto de paisagem - parece uma imagem poética, mas é o nome de uma profissão, que mistura sensibilidade e imaginação com racionalidade e cálculo. São de sua responsabilidade, além dos jardins, a topografia, a posição dos edifícios no terreno, a circulação em torno deles, a drenagem do solo, o desenho dos pisos e tudo que precisar ser detalhado a partir do plano diretor. Como um cenógrafo a céu aberto, ele está preparado também para reinventar a paisagem quando a natureza não oferecer sozinha suficientes atrativos.
Foi assim, por exemplo, que ele transformou em aprazível zona residencial o panorama melancólico - “quase lunar”, como ele descreve - de uma mina de ferro exaurida, nos arredores de Belo Horizonte, hoje, o bairro das Águas Claras. Ou que fez surgir, num parque no centro de Dallas, o Pioneer Park, uma amostra da natureza do Texas nos primórdios de sua história - com direito a uma manada de búfalos de bronze.
Arte, arquitetura e paisagem.Em geral, sua tarefa e garantir uma indispensável dose de encanto a locais que, sem isso, poderiam sucumbir ao tédio ou à severidade. Seus jardins pontuados por gazebos, quedas d’água e riachos são atrações, por exemplo, nos Open Malls da Barra da Tijuca e do bairro de Aldeota, em Fortaleza; e no Millenium Office Park, em São Paulo. Mas, quando existe uma natureza local, sua tarefa e freqüentemente adaptar-se a ela e zelar o mais possível pela sua vocação. Foi o que buscou em imensos condomínios residenciais na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, como o Novo Mundo e o América’s Park. Em seu projeto, Santana cuidou de preservar a vegetação de restinga e de evitar qualquer espécie que pudesse invadir e descaracterizar a mata local. “É a filosofia da preservação e a da sensatez, porque as espécies nativas são também as mais fáceis de manter”.
Em 1971, recém aprovado no vestibular para o curso de engenharia civil, em São Paulo, foi para os Estados Unidos fazer um curso de inglês na cidade de Baton Rouge, na Louisiana. Uma professora contou-lhe que a Louisiana State University tinha o melhor curso de arquitetura de paisagem do país e Santana quis saber mais. Nos folhetos que encontrou sobre um balcão da secretaria, viu fotografias de praças e parques e uma imagem de Brasília. Teve a dupla revelação de que existia essa especialidade e de que era isso que ele queria fazer na vida. Naquela altura, Santana não tinha recursos para pagar uma faculdade particular.
Foi um professor, entusiasmado com seus desenhos, que o financiou nos primeiros anos. Ele acabou vivendo 19 anos nos Estados Unidos, onde assinou grandes projetos, como o Arboretum do Jardim Botânico de Dallas, o paisagismo da Central Expressway dessa cidade, jardins de centros empresariais e de residências. Em 2003, foi um dos oito contemplados com uma bolsa da Universidade de Harvard para arquitetos de paisagem com dez a vinte anos de experiência. No currículo, que ele próprio montou, explorou as relações entre arte, arquitetura e paisagem.
Um ritmo frenético de trabalhoSantana travou contato com Burle Marx ao fazer um estágio em seu escritório, quando ainda era estudante em Baton Rouge. Pouco depois, numa viagem do paisagista aos Estados Unidos, a faculdade o encarregou de convidá-lo para uma série de palestras, e Santana tratou de desdobrar a programação em outros encontros com profissionais norte-americanos.
Ficaram grandes amigos, e cada visita de Santana ao Brasil desde então incluiu uma pequena temporada no famoso sítio de Guaratiba. “Eu saia de Iá cheio de adrenalina, louco para desenhar”, conta. Às vezes lhe volta à lembrança a cena de uma entrevista de Burle Marx a uma rádio de Dallas. “Perguntaram a ele quantas espécies de árvores havia no Brasil e ele respondeu: “Umas 2 ou 3 mil espécies só no Rio.” O entrevistador, boquiaberto, informou que em Dallas não havia mais que 20 espécies. “Quero fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ajudar a preservar essa riqueza”, diz Santana.
Reverenciar a natureza tem sido o seu cuidado, também, no projeto da fazenda Santo Antônio, em Sumaré, a 100 quilômetros de São Paulo, que vai transformar em condomínio residencial uma fazenda que abrigava um grande haras. “É um lugar de topografia suave que proporciona belas vistas; não necessita de grandes interferências”, observa. “Além disso, a natureza foi bem tratada ali. “Ele cuidou de tirar partido, por exemplo, das fileiras de belíssimas sibipirunas, ipês e paus-ferros que serviam de fronteira entre os diversos espaços do haras.
Novos jardins, a entrada de cada área residencial, sendo o ponto de partida das ruas e, em torno da antiga sede, o paisagismo vai ser adaptado para a circulação de um público mais numeroso. Ali, Santana pretende adaptar uma idéia que já havia sido usada no projeto de Snowmass, em Aspen, nos Estados Unidos - os envelopes de implantação. “Apesar do nome estranho, o conceito desses envelopes e simples: privilegiar corredores visuais de acordo com a paisagem já existente”, explica. “Quando o cenário do empreendimento é naturalmente bonito, fica muito feio padronizar a ocupação dos lotes”.
Outro projeto paisagístico que leva a assinatura de Santana e o da vila dos Jogos Panamericanos, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde 17 edifícios vão abrigar 1.480 apartamentos, numa área de 148 mil metros quadrados. Nesse caso, ele precisava implantar na planície vazia um cenário que, embora novo, fosse um cartão-postal da natureza brasileira. Para isso, vai contrapor ao verde manchas de cores intensas, que considera um dos traços mais atraentes das nossas matas. Uma operação gigantesca já esta em curso, para trazer de viveiros não apenas do Estado do Rio, mas também de São Paulo e do Espírito Santo, 2.200 plantas do bioma tropical. Walter Doering, que há mais de dez anos executa os projetos de Santana, com sua empresa de jardinagem, já está em campo há meses. “É difícil acompanhar o ritmo dele”, declara Doering. “Sergio trabalha furiosamente”.
Sem tempo de fazer o próprio jardim“Ele é um artista da exuberância e das linhas sinuosas”, acrescenta o arquiteto Sérgio Gatáss, parceiro de Santana em diversos projetos no Rio de Janeiro. “Santana é o anti-Bauhaus”. Os modernistas, fiéis ao estritamente natural, talvez se horrorizassem com alguns recursos dos jardins de Santana, como pedras artificiais, moldadas com isopor e construídas com resina e chapisco. Mas, como aponta Gatáss, Glaziou, o paisagista da missão francesa, que desenhou, no começo do século XIX, o Passeio Público do Rio de Janeiro, não fazia a menor cerimônia em construir pequenas grutas e pontes com pedras de cimento. “E Brasília seria uma cidade totalmente diferente se Lucio Costa não tivesse pensado num lago artificial, o lago de Paranoá”, diz o arquiteto.
Para Sergio Santana, as questões ambientais no Brasil avançariam com uma legislação mais estimuladora do que punitiva: “A urbanização chegaria a resultados melhores se encorajasse a expandir com qualidade. Do jeito que é hoje, promove a concentração e os problemas”. Ele cresceu em São Paulo, mas passou as férias da infância na fazenda do avô,no sul de Minas. Paisagem e prazer se associaram para sempre em sua vida em demorados trajetos em carro de boi, em que viajava sentado sobre o café colhido. Os passeios se encerravam gloriosamente: a caçamba era inclinada para despejar seu conteúdo - a carga e o passageiro – na água fria do tanque de lavagem.
Olhando a confusão de São Paulo, ele sonha com uma campanha contra o cinza, pela plantação maciça de heras e trepadeiras. “Se pelo menos tirassem os anúncios das Paredes dos prédios já melhoraria um pouco”, suspira. Instalado há pouco numa casa na Vila Madalena, em São Paulo, ele ainda não teve tempo para pensar em seu próprio jardim. Mas foi brincando outro dia com as primeiras flores de um jacarandá à porta de sua casa. Sua admiração pela natureza nativa só faz crescer.
por Marta Góes - outubro 2006